domingo, 1 de setembro de 2013

XV Domingo depois de Pentecostes

 + Seqüência do Santo Evangelho segundo Lucas

Naquele tempo, Jesus foi para uma cidade chamada Naim. Com Ele iam os discípulos e uma grande multidão. Quando chegou à porta da cidade, eis que levavam um defunto para enterrar; era filho único e sua mãe era viúva. Grande multidão da cidade ia com ela. Ao vê-la, o Senhor teve compaixão dela e disse-lhe: «Não chores!» Depois aproximou-Se, tocou no caixão, e os que o transportavam pararam. Então Jesus disse: «Jovem, Eu te ordeno, levanta-te!» O morto sentou-se e começou a falar. E Jesus entregou-o à mãe. Todos ficaram com muito medo e glorificavam a Deus, dizendo: «Um grande profeta apareceu entre nós, e Deus veio visitar o seu povo».

Homilia
A página evangélica com a qual a Providência divina nos presenteou neste domingo é de uma beleza literária ímpar. A narrativa se inicia com o encontro de duas procissões: uma, formada pelos discípulos e uma grande multidão que seguia a Jesus; a outra, uma procissão fúnebre, guiada pelo féretro do filho de uma viúva e seguida também por uma copiosa multidão. Uma procissão era encabeçada pelo Filho único de Deus, a Luz da Vida; a outra procissão, porém, era guiada pelo esquife do filho único de uma viúva, receptáculo de um cadáver, sinal sensível da presença da Sombra da Morte. Sombra e Luz, Vida e Morte: neste “chiaroscuro” narrativo, revela-se para nós a Graça, a Graça que se manifesta justamente na “des-Graça”. Caros irmãos e irmãs em Cristo, aqui cabe-nos fazer um breve parêntese sobre o significado desta situação pontual de des-Graça: a morte é o destino inexorável de todo vivente, e uma das poucas certezas que temos nesta vida. Na Sagrada Escritura, apesar da diversidade de tradições que compõem o mosaico da teologia bíblica, podemos perceber uma certa evolução na concepção da morte, compreendida inicialmente como o ponto final da existência humana consciente, evoluindo gradativamente, a partir da crença na Ressurreição da carne, como uma passagem desta existência para um estado de beatitude ou condenação, segundo a adesão do israelita à Torá. Em todo caso, a morte é sempre vista como um evento trágico, como uma desgraça, e para um israelita não poderia haver pior desgraça do que a morte do filho único de uma viúva, pois a herança, isto é, a posse da terra, era garantida pelo filho primogênito, em caso de morte do chefe de família. No Antigo Testamento, a posse da terra era o sinal da Bênção, e a sua perda o sinal da desgraça. Nesta concepção, a viúva, que perde o filho único, consequentemente perde também a posse da terra e, por conseguinte, a Bênção. Aqui está a tragicidade do relato evangélico em consideração. Por isso, Nosso Senhor a olha com compaixão, não se comove tanto pelo defunto, mas por sua mãe, como nos indica a letra do Evangelho deste domingo: aquela pobre mãe, duplamente desgraçada por ter perdido o filho e a herança, isto é, o sinal da Bênção,  torna-se  alvo da misericórdia de Deus e ocasião para que nosso Senhor transmitisse um ensinamento: ao imperar à viúva: “Não chore”, nos indica duas coisas: a primeira, que ele, enquanto Salvador, tem o poder de mudar aquela situação irremediável; a segunda, que a morte não é o ponto final de nossa existência: mais adiante, no mesmo Evangelho de S. Lucas, no funeral da filha do chefe da sinagoga, Jesus exclama: “Não choreis, pois a menina não morreu, mas dorme”. Com isso, indiretamente, também nos indica que não é essa a morte que deve ser temida e pranteada, mas aquela morte da alma, que nos separa de Deus e nos coloca no inferno: esta é a verdadeira morte e a perda total da Bênção de Deus, da verdadeira Terra Santa, da Jerusalém celeste, nossa Pátria: o céu. E para efetivar a salvação, Jesus realiza uma verdadeira liturgia: através de seu gesto, de tocar em silêncio o esquife do defunto e pronunciar a ordem ao defunto para que se erguesse, temos um sinal sensível da graça invisível: é por isso que para nós, católicos, um sacramento é sempre um evento salvífico: através dos sacramentos, Nosso Senhor também, nos toca, nos cura, nos liberta, nos ressuscita. Jesus, tocando-nos a nós, mortos pelo pecado, tão impuros como aquele cadáver segundo a lei de Moisés, também nos purifica, santificando-nos com a sua divina presença.
Um segundo elemento que convém notar neste evento salvífico da ressurreição do filho da viúva é que um milagre nunca é operado como show exibicionista, mas visa sempre suscitar a fé, seja no agraciado, seja nas testemunhas do milagre e naqueles que darão crédito a essas testemunhas. Segundo o testemunho das Escrituras, nós somos salvos pela fé, constituindo este um dos axiomas principais da soteriologia bíblica seja do Antigo quanto do Novo Testamento. Com isso, aquele gesto pontual de ressuscitar um defunto torna-se, na verdade, um milagre mais amplo e mais abrangente: pela fé, Nosso Senhor transforma aquela multidão de curiosos em uma assembleia litúrgica, em uma ekklesia de louvor, isto é, em uma Igreja: ἔλαβε δὲ φόβος πάντας καὶ ἐδόξαζον τὸν Θεόν, (Todos ficaram com muito medo e glorificavam a Deus). Neste pequeno versículo temos dois elementos importantes no fenômeno religioso e que estão em jogo e correlação neste segundo milagre: Foboj (temor) e Doxa (louvor): O temor é o primeiro sentimento que temos diante de algo desconhecido e inusitado, de algo maravilhoso e inexplicável. Este temor pode ser identificado com aquilo que os Gregos designavam pelo termo eusebeia, isto é, profundo respeito e  reverência. Os Latinos traduziram-na por pietas (piedade filial), e é deste profundo respeito religioso que brota o louvor. O louvor é, por sua natureza, um ato de fé em Deus que manifesta o seu braço onipotente no tempo e no espaço, na História da Salvação e na nossa existência histórica individual. O conteúdo do louvor também corrobora o que temos dito até agora: “Propheta Magnus surrexit in nobis, Deus visitavit plebem suam”. A multidão, tomada de temor diante daquela manifestação divina, reconhece em Cristo não só a presença de Deus, mas o cumprimento das promessas realizadas por Deus no Antigo Testamento, como nos atesta o evangelista. Através do milagre, ao suscitar a fé no coração dos circunstantes, Jesus não apenas ressuscitou aquele jovem, mas a todos, uma vez que a fé suscita a contrição, e esta, quando é perfeita, apaga uma multidão de pecados.

Caros irmãos e irmãs, no início havia dito que duas procissões se encontravam às portas da cidade de Naim. Na verdade há uma terceira: a nossa, formada por esta assembleia reunida em nome de Cristo, nesta noite. A nós o Cristo se faz presente através desta liturgia e tocando-nos através dos ritos e das santas palavras pronunciadas na liturgia, também quer nos ressuscitar, quer nos salvar de uma vida estéril, tenebrosa e tediosa para uma nova vida, aquela vida gloriosa dos filhos de Deus, que já se inicia aqui e agora, pois nós não somos deste mundo, somos chamados a ser cidadãos de uma outra Pátria, a Cidade de Deus, ao qual sejam dadas a glória, o poder e a honra pelos séculos dos séculos. Amém.

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